quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Mecanização agrícola e controvérsias

Neste post trago visões distintas sobre impactos da mecanização agrícola. A primeira defende a importância da mecanização para o alívio aos trabalhadores agrícolas e para a sustentabilidade. A segunda defende que a mecanização do campo não elimina a pobreza nem a violência. Dois textos que li recentemente explicitam essa controvérsia. Vale a pena reproduzir os trechos iniciais de cada um:
"As máquinas agrícolas revolucionaram a agricultura e aliviaram o duro trabalho de milhões de famílias e trabalhadores agrícolas, mas as máquinas do futuro vão ter que trazer algo mais, já que deverá contribuir também para uma agricultura que seja sustentável para o meio ambiente". (RuralBR, matéria Máquinas agrícolas devem evoluir junto com agricultura, diz FAO, publicada em 26/01/2014)
"O avanço do agronegócio, com a explosão da cultura mecanizada, intensificou nos últimos anos as consequências da concentração de terras no estado de São Paulo. A despeito da modernidade de técnicas, os pequenos e médios produtores vivenciam o acirramento de uma realidade colonial. Muitos são obrigados a abandonar ou arrendar suas terras e enfrentar um quadro trágico e violento." (Carta Capital, matéria Lavoura arcaica, publicada em 04/06/2013)
O texto do RuralBR divulga o livro Mechanization for Rural Development, A review of patterns and progress from around the world, da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). O livro indaga como as máquinas vão contribuir para um futuro sustentável para o meio ambiente e quais políticas vão colocar as máquinas a serviço da agricultura familiar. Defende ainda que as políticas governamentais devem incentivar que o setor de máquinas agrícolas desenvolva mercados, em especial para a agricultura de conservação e para estabelecer as infraestruturas necessárias. A matéria destaca que, para o principal autor do livro, Josef Kienzle, "este apoio, sobretudo ao setor dos agricultores em pequena escala, pode ter um impacto enorme, ao tirar as famílias da pobreza e levá-las a uma agricultura mais rentável, com poder comercial".

Na matéria da Carta Capital, o destaque é a dissertação de mestrado de Tiago Cubas (São Paulo agrário: representações da disputa territorial entre camponeses e ruralistas de 1988 a 2009), da Unesp de Presidente Prudente. O pesquisador aponta que os repasses federais para programas de agricultura familiar em 2011/12 (cerca de R$ 16 bilhões no PAF - Plano Safra do Agricultor Familiar) se contrapõem aos valores para agroempresários (R$ 107 bilhões no PAP - Plano Safra da Agricultura e Pecuária) como diferença de prioridades. A matéria informa também que o orçamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, passou de R$ 2,4 bilhões em 2002/2003 para R$ 13,5 bilhões em 2011/2012. Segundo a matéria, a assistência técnica também tem crescido, por meio do Pronaf, que acelera a modernização das propriedades com contratos para tratores, veículos para transporte de carga, colheitadeiras etc., somando R$ 106,9 bilhões em contratos desde 2003.

No Brasil, o déficit do setor de máquinas e equipamentos, que era quase nulo em 2007, cresceu gradualmente desde então e em 2013 respondeu por quase um quinto do déficit comercial da indústria brasileira (US$ 105 bilhões, o maior da história), como mostra a matéria Setor de máquinas não vê reversão do déficit, do Valor Econômico.

Apesar dos diferentes pontos de vista, um internacional-normativo e outro local-descritivo, observa-se uma necessidade de medidas para tornar a mecanização um processo com resultados positivos para a sustentabilidade. Não se trataria, portanto, de resultados naturalmente decorrentes da mecanização, mas de ações a ela associadas que contribuam para tais ou quais resultados. O que me intriga é saber como fica o caso específico das lavouras de cana-de-açúcar no Brasil.