sexta-feira, 4 de abril de 2014

Máquinas para o setor canavieiro movidas a etanol: por que não?

Os empresários do setor sucroenergético defendem amplamente o bioetanol como “energia limpa e sustentável”, sobretudo se comparado à gasolina e outros combustíveis fósseis. O que justificaria, então, o uso de diesel para mover as máquinas agrícolas utilizadas no cultivo da cana-de-açúcar? Essa questão não é nova e rondou-me durante o 16º Seminário de Mecanização e Produção de Cana-de-Açúcar, evento do qual participei entre os dias 26 e 27 de março, em Ribeirão Preto. O evento, promovido pelo Grupo IDEA, tem como foco as práticas e tecnologias de produção de cana para melhorar a produtividade e reduzir custos, e tocou também em aspectos ambientais.

Pesquisando um pouco na internet, observei que a versão de 2008 desse mesmo seminário discutiu a utilização de etanol nos motores de caminhões e máquinas agrícolas, bem como em motores estacionários para irrigação dos canaviais. Em matéria da Gazeta Mercantil reproduzida no site biodieselbr.com, o tom era de uma novidade prestes a ser implantada, apesar de o conceito do "motor diesel movido a etanol" (motor de combustão interna de ignição por compressão ajustado ao uso de etanol) existir há mais de 30 anos.

Segundo a matéria, “na década de 1980, no auge do Proálcool, muitas usinas fizeram conversões caseiras de motores movidos originalmente a diesel e gasolina para álcool. E, à época, montadoras como Scania e Mercedes-Benz chegaram até mesmo a oferecer às usinas veículos novos com motores convertidos para o uso do álcool”.

Se em 2008 parecia iminente a introdução ampla de máquinas movidas a etanol, hoje isso se mostra longe de acontecer. É verdade que há experiências de ônibus e caminhões com motores a etanol no Brasil e em outros países, como as resultantes do Projeto BEST (BioEthanol for Sustainable Transport, 2006-2009), mas representam uma parcela pequena das frotas. Há também veículos de grande porte com motores ciclo diesel que operam com misturas de etanol e diesel ou biodiesel, como esclarece o site novaCana.com.

Do ponto de vista tecnológico, não há impedimentos à substituição do diesel por etanol em motores de veículos pesados. A justificativa concentra-se, portanto, em outra esfera. Nos anos 1980, segundo o consultor da União da Indústria Canavieira (Unica) Alfred Szwarc, em depoimento para a referida matéria da Gazeta Mercantil, a iniciativa não teve continuidade devido a três fatores: o excessivo consumo de álcool em caminhões, a queda do preço do petróleo e o subsídio dado ao diesel. E hoje?

Segundo o engenheiro industrial Luiz Nitsch, diretor da Sigma Consultoria Automotiva com quem pude conversar durante o 16º Seminário de Mecanização, o problema é meramente político. “Hoje o governo subsidia fortemente o diesel e a gasolina, em detrimento do etanol. Seria viável (termos máquinas agrícolas movidas a etanol) se os preços dos combustíveis estivessem equilibrados. Não há mercado e as montadoras não se interessam”, diz Nitsch, que aponta a descoberta de petróleo no Pré-Sal como o ponto de inflexão do apoio político do governo ao etanol.

O instrutor comercial da Scania Latin America Moises Teruel de Oliveira Pauferro, em sua pesquisa de especialização no Centro Universitário do Instituto Mauá de Tecnologia, destaca problemas de infraestrutura para viabilizar a substituição do diesel pelo etanol. Nas conclusões de seu trabalho, ressalta que "muitos desafios terão que ser suplantados para que o uso do etanol nos motores diesel de veículos pesados se justifique como alternativa tecnológica sustentável em âmbito nacional. O óleo diesel adapta-se melhor à atual conjuntura, se consideradas a infraestrutura para produção, armazenamento e distribuição de combustíveis no Brasil".

Para Nitsch, a dominância de empresas multinacionais também é um fator que dificulta a mudança para motores a etanol no maquinário agrícola. “Quem poderia investir nisso com sucesso é a Santal (empresa originalmente brasileira fornecedora de produtos e serviços para mecanização agrícola, atualmente com 60% de seu capital pertencente ao grupo alemão AGCO)”, pondera Nitsch. Aparentemente, as razões político-econômicas sobrepõem-se às de natureza ambiental e social na determinação do combustível que alimenta as máquinas agrícolas, sobretudo no setor sucroalcooleiro. Assim fica difícil discutir sustentabilidade.