E neste post de estreia, trago um texto de João Cabral de Melo Neto (1920-1999), poeta pernambucano que cresceu em engenhos de açúcar (e anos mais tarde percorreria o mundo, com especial ligação à Espanha e sua arte, especialmente ao flamenco!).
O VENTO NO CANAVIAL
João Cabral de Melo NetoNão se vê no canavial
nenhuma planta com nome,
nenhuma planta Maria,
planta com nome de homem.
É anônimo o canavial,
sem feições como a campina.
É como um mar sem navios,
papel em branco de escrita.
É como um grande lençol
sem dobras e sem bainha,
Penugem de moça ao sol,
roupa lavada estendida.
Contudo há no canavial
oculta fisionomia,
tal no pulso do relógio
há possível melodia,
ou como de um avião
a paisagem se organiza,
ou há finos desenhos nas
pedras da praça vazia.
Se venta no canavial
estendido sob o sol
seu tecido inanimado
faz-se sensível lençol,
se muda em bandeira viva,
de cor verde sobre verde,
com estrelas verdes que
no verde nascem, se perdem.
Não recorda o canavial
então as praças vazias:
não tem, como têm as pedras,
disciplina de milícias.
É solta sua simetria:
como a das ondas na areia
ou as ondas da multidão
lutando na praça cheia.
Então, da praça repleta
é o canavial a imagem:
veem-se as mesmas correntes
que se fazem e desfazem,
voragens que se desatam,
redemoinhos iguais,
estrelas iguais àquelas
que o povo lutando faz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário