terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Audiência pública sobre levedura transgênica carece de transparência

Saccharomyces cerevisiae. Fonte: Wikimedia Commons
por Bob Blaylock.

Às vésperas da chegada de 2015, navego pelas últimas notícias do setor sucroenergético e encontro um interessante relato do portal novaCana sobre a dificuldade de tornar público o que é direito do público. Trata-se da abertura de informações sobre a primeira levedura transgênica para a produção de etanol de segunda geração (a partir da palha e do bagaço de cana-de-açúcar) no Brasil, desenvolvida pela empresa holandesa DSM, parceira da GranBio no fornecimento de leveduras.

A divulgação de informações sobre o organismo geneticamente modificado (OGM) Saccharomyces cerevisiae Linhagem RN1016 visa à participação da sociedade e é etapa obrigatória no processo de aprovação da nova variedade pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) que há 40 dias abriu audiência pública sobre a solicitação de parecer para liberação comercial de microrganismo geneticamente modificado e seus derivados feita por meio da Bio Celere Agroindustrial, subsidiária da GranBio. 

Entretanto, o novaCana aponta que a CTNBio criou dificuldades que impediram a participação da sociedade no processo, visto que condicionou o envio das informações ao acionamento da Lei de Acesso à Informação e respondeu ao pedido no último dia do prazo legalmente estabelecido sem de fato enviar as informações solicitadas, mas dizendo que enviaria o material pelo correio. Diz a matéria:
A postura da entidade de se posicionar no último dia do prazo, combinada com a decisão de enviar a documentação apenas pelo correio, fez com que fosse impossível ter acesso a documentação em tempo para manifestação na consulta pública ou mesmo para conhecimento do processo que deveria ser público. 
Encontrei algumas informações sobre a levedura e a solicitação de liberação pela GranBio à CTNBio e não tenho clareza sobre quais informações foram agora solicitadas pelo Nova Cana.

Na etapa de avaliação do processo pela CTNBio, que recebeu da GranBio em março de 2013 um relatório de 289 páginas, o parecer final do órgão foi o seguinte:
Parecer Final da CTNBio:

Baseados na ampla e completa informação contida no dossiê encaminhado pela requerente, na literatura pertinente e na experiência prévia no uso industrial de leveduras no processo de produção de etanol, considerando que o evento envolve uma hospedeira bem conhecida, S. cerevisiae, com seu genoma sequenciado, com histórico seguro de utilização na indústria para múltiplos usos e sem riscos para a saúde humana e animal; considerando ainda que não há relatos de danos à saúde relacionados ao consumo ou exposição à proteína expressa pelo transgene; considerando que a análise bioinformática apoia a hipótese de ausência de potencial alergênico para tal proteína; que o uso pretendido desta levedura para produção de etanol de segunda geração não envolve diferenças significativas do processo industrial comum de fermentação de garapa, que inclui sistema fechado e posterior inativação; que o doador do gene não é um patógeno de humanos nem de animais e que o gene XylA participa apenas na catálise da reação reversível de D-xilose a D-xilulose, processo conhecido amplamente na indústria alimentar; que o organismo transformado é considerado seguro e amplamente empregado na indústria e mesmo nos processos fermentativos artesanais; que a enzima xilose isomerase, única nova proteína produzida pela levedura em análise, é amplamente empregada na indústria alimentícia; que a expressão do novo gene, assim como a alteração dos níveis de expressão de outros genes relacionados à via metabólica modificada na RN1016 não confere à levedura recombinante quaisquer características modificadas de competitividade no ambiente; que a RN1016 possui reduzida capacidade de sobrevivência, devido à ausência de capacidade esporulante, o que limita drasticamente sua dispersão na natureza e restringe seu crescimento às dornas industriais, em condições otimizadas e sem competição com leveduras nativas ou outros microrganismos; que os resíduos industriais não são fonte de exposição ambiental ao OGM, frente às características biológicas da levedura RN1016, que facilitam a inativação dentro dos procedimentos convencionais de produção de etanol, e à baixa competitividade da levedura nos ambientes naturais, ainda que acidentalmente liberada viva; que os procedimentos adicionais para garantir a completa inativação das leveduras transformadas estão previstos na planta industrial e serão incorporados ao processo produtivo, quando necessários; e, sobretudo, considerando que o evento e seus subprodutos não se destinam ao consumo humano ou animal e que os trabalhadores da indústria estarão minimamente expostos à levedura, concluímos que o evento não apresenta riscos às metas de proteção distintas da levedura não transgênica para os fins pretendidos e somos, portanto de parecer favorável ao pleito da proponente.
Na atual etapa, de audiência pública, a postura da CTNBio levanta suspeitas. Quem ganha e quem perde com a falta de transparência?

Se ao público não chegam informações sobre a nova tecnologia, criam-se dificuldades para suas reflexões e para a construção de argumentos favoráveis ou contrários a essa inovação. Impedir a possibilidade de uma controvérsia é, em si, controvertido.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Crise sucroenergética: expectativas, propostas e controvérsia

Imagem: Public Domain
Após os resultado da (re)eleição presidencial, o setor sucroenergético, que declarou apoio aos candidatos da oposição Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (PSB), aguarda receoso por mudanças na política sobre combustíveis. A Revista Cana Online trouxe na capa um grande ponto de interrogação e a chamada: "Deu Dilma! E como fica a cana?".

Desde o resultado das urnas, o preço da gasolina subiu 3% por litro nas refinarias (enquanto o preço do litro do diesel subiu 5%), levando a reboque o preço do etanol, que aumentou 4,8% por litro nas usinas (segundo indicador calculado pelo Cepea/Esalq).

Face à crise enfrentada pelo setor sucroenergético, o setor espera ansioso pelo retorno da Contribuição e Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre a gasolina, que deverá impulsionar a demanda de etanol. As expectativas políticas tornam-se urgentes num contexto de perda da competitividade do setor, reforçada por adversidades climáticas.

A União das Indústrias de Cana-de-Açúcar (Unica), em defesa do setor sucroenergético, propõe uma elevação do percentual de etanol anidro na gasolina dos atuais 25% para 27,5%. Segundo os estudos realizados pelo Centro de Pesquisa da Petrobras (Cenpes) e o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), a elevação proposta não compromete o desempenho dos motores. A mudança foi sancionada por lei, mas ainda aguarda a aprovação de Dilma Rousseff.

Controvérsia

Prestes a ser aprovado, o aumento do percentual de etanol na gasolina enfrenta agora oposição de órgãos governamentais, da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e de membros da sociedade civil. Matéria do portal Nova Cana publicada em 25 de novembro informou que o referido aumento enfrenta dificuldades para avançar "principalmente por preocupações ambientais e com a saúde da população". O portal teria obtido informações junto a uma fonte envolvida nas discussões sobre a oposição à nova mistura, mencionando três órgãos governamentais, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). Os argumentos referem-se ao fato de que
"... apesar do aumento do percentual de etanol reduzir algumas emissões, ele aumenta outras, especialmente o óxido de nitrogênio (NOx) e os aldeídos (CHO). Os testes realizados indicaram também que o problema é complexo e não há um comportamento padrão, existindo muita variação de veículo para veículo".
Depois de publicada a matéria, o MMA manifestou-se a favor do aumento da concentração de etanol anidro na gasolina, enfatizando que se trata da substituição de combustível fóssil por renovável, com impacto positivo sobre a emissão de gases de efeito estufa.

Entre os grupos contrários, a Anfavea posiciona-se desde o início das discussões, afirmando que a nova mistura traria prejuízos aos motores movidos a gasolina e ao meio ambiente. A Unica rebateu as críticas, como se vê nesta matéria publicada em seu site.

Abaixo-assinado

No site Petição Pública foi lançado um abaixo-assinado contra o referido aumento, que até o momento conta com apenas 18 assinaturas. Na chamada, afirma:
"E nós, consumidores e membros do povo, eleitores dos governantes, podemos acabar com essa ideia. Nossa gasolina é uma das piores do mundo e, ainda assim, pagamos um absurdo pelo produto. Pela manutenção dos 25% de álcool anidro misturados na gasolina".
Sem questionar o argumento de que o preço da gasolina seja absurdo, a adição de um percentual maior de etanol, que é mais barato, não poderia contribuir para evitar a elevação dos preços? Com relação aos impactos ambientais e à saúde, o argumento dessa petição passa ao largo.

Por meio de buscas por palavra-chave no site Petição Pública, é possível levantar uma lista de abaixo-assinados relacionados a "etanol". Infelizmente, as petições não vêm com data e a lista de resultados é ordenada conforme o número de assinaturas, não em ordem cronológica. Uma delas visa à defesa da cadeia produtiva sucroenergética e conta com 1.331 assinaturas. Aparentemente, a atuação do público/consumidor com relação ao tema se mostra modesta e pouco organizada.

Assim, observa-se que as pressões econômicas vêm mobilizando os produtores do setor por medidas governamentais que os favoreçam, mas que também têm provocado resistência sob argumentos ambientais e sociais, ligados à saúde pública. Sustentabilidade em questão.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Políticas públicas

Os produtores de etanol vêm manifestando forte descontentamento diante dos preços subsidiados da gasolina pelo governo federal, a ser colocado à prova nas eleições presidenciais do próximo fim de semana. Defende-se não apenas o reequilíbrio dos preços dos combustíveis como a necessidade de políticas públicas para o setor, visto que outros países produtores de etanol também atuam com medidas governamentais a favor da produção local.

Segundo notícia do jornal Valor, de 28 de agosto, a Agência Internacional de Energia apontou para os riscos da falta de regulação no setor produtor de etanol. Seria interessante ter na matéria o link para o relatório mencionado, ou seu sumário executivo, que talvez esteja neste link.

No mesmo sentido, de buscar políticas públicas em defesa do setor, a Agência FAPESP publicou há três dias uma notícia sobre o evento BBEST - 2nd Brazilian BioEnergy Science and Technology Conference, que ocorre entre 20 e 24 de outubro, em Campos do Jordão (SP). A conferência trata da bioenergia de forma mais ampla, incluindo o etanol combustível.

A abertura do evento contou com a apresentação da síntese de um relatório sobre biocombustíveis e sustentabilidade, que está sendo preparado para lançamento em abril de 2015, durante um seminário na FAPESP, que incluirá um resumo para guiar políticas públicas.

De acordo com a notícia, uma das principais conclusões do estudo é de que a bioenergia poderá aumentar a segurança energética de vários países nas próximas décadas, mas para isso será necessário "aumentar a compreensão sobre os impactos de políticas, regulamentações e sistemas de certificação para a definição de métodos de governança que garantam a sustentabilidade e a igualdade na distribuição dos benefícios trazidos pela bioenergia, além de uma cuidadosa análise do investimento financeiro necessário para a implementação de sistemas de produção de energia renovável".

Uma das fontes da matéria, Glaucia Mendes Souza, professora do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), membro da coordenação do programa BIOEN (Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia) e coordenadora da redação do relatório, diz que "é preciso que a cadeia de produção de bioenergia conte com subsídios e o apoio de políticas públicas para conseguir aumentar a escala de produção e torná-la mais competitiva".

Vale lembrar que os subsídios e as políticas públicas para o setor (e seus impactos), assim como a produção em grande escala e os sistemas de certificação são objeto de controvérsias entre grupos de atores.

Para além das políticas de estímulo ao setor, pontos críticos que podem causar impactos negativos são levantados por outros pesquisadores participantes do estudo e apresentados ao final da notícia, como o perigo de um manejo do solo com depósito de nitrogênio em grandes quantidades, que pode aumentar as emissões de gases de efeito estufa, e o uso intensivo de agroquímicos. Senti falta de saber como esses estudiosos avaliam o momento presente e não apenas os riscos futuros.

Contra os perigos relatados, recomendam-se técnicas de cultivo amigáveis ao ambiente e a implementação de programas de monitoramento ambiental e de biodiversisade de longo prazo.

A sustentabilidade do etanol (e da bioenergia, em geral) dependeria, então, de políticas públicas. O ator que precisaria agir agora seria o governo. Quanto aos demais atores, o que lhes cabe?

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Alimentos versus combustíveis


A controvérsia sobre a ameaça do etanol à segurança alimentar repousa na ausência de clareza sobre se o aumento na produção de cana-de-açúcar para produção de etanol nos próximos anos irá competir com a produção de alimentos e se haverá deslocamento da criação de gado para áreas de florestas, como a Amazônia (implicando em desmatamento e redução da biodiversidade).

Para os críticos do bioetanol como solução energética sustentável, a expansão da lavoura canavieira no Brasil a partir das últimas décadas do século XX é responsável pela exclusão de outras culturas e coloca em risco a segurança alimentar. Para os defensores, a expansão da cana não leva necessariamente ao deslocamento de outras atividades agrícolas, pois, graças a importantes ganhos de produtividade, houve aumento tanto da produção de cana-de-açúcar quanto da produção de alimentos.

Os atores envolvidos nessa controvérsia parecem não questionar o fato de que a agroindústria de alimentos é fortemente dependente de petróleo, o que, de certa forma, corresponde a enxergar a disputa "etanol x alimentos" como uma disputa "cultura de cana para produção de etanol x culturas alimentares altamente dependentes de derivados de petróleo" (ou ainda "etanol x derivados de petróleo").

O ponto que eu gostaria de levantar aqui deriva de uma reflexão que fiz ao ler um artigo de Esther Vivas no portal EcoDebate. Ela inicia o texto dizendo "comemos petróleo", e levanta uma série de informações sobre a agroindústria alimentar que fornece o que consumimos.

A dependência do petróleo nas cadeias de alimentos tem diversas naturezas e inclui desde o maquinário agrícola (tratores, ceifeiras-debulhadoras, caminhões, sobretudo em grandes plantações e monoculturas) até as sacolas plásticas que usamos para acondicionar as compras nos supermercados e o automóvel que utilizamos para ir às compras, passando pelo uso de inúmeros artefatos e embalagens de plástico, e o uso intensivo de adubos e pesticidas químicos derivados do petróleo. Além disso, considere-se que os alimentos percorrem longas distâncias desde onde são cultivados até o lugar em que são consumidos.

Os elementos que trago neste post abrem ainda mais a controvérsia sobre segurança alimentar, considerando-se a pegada energética das cadeias de produção de alimentos e da cadeia de produção do bioetanol (ver post sobre máquinas movidas a etanol). O conceito de sustentabilidade talvez seja algo a ser discutido em termos relativos, comparando-se as cadeias de produção, distribuição, consumo e pós-consumo de diferentes combustíveis e assim tentando-se avaliar qual seria o "mais sustentável", ou o "menos insustentável".

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Máquinas para o setor canavieiro movidas a etanol: por que não?

Os empresários do setor sucroenergético defendem amplamente o bioetanol como “energia limpa e sustentável”, sobretudo se comparado à gasolina e outros combustíveis fósseis. O que justificaria, então, o uso de diesel para mover as máquinas agrícolas utilizadas no cultivo da cana-de-açúcar? Essa questão não é nova e rondou-me durante o 16º Seminário de Mecanização e Produção de Cana-de-Açúcar, evento do qual participei entre os dias 26 e 27 de março, em Ribeirão Preto. O evento, promovido pelo Grupo IDEA, tem como foco as práticas e tecnologias de produção de cana para melhorar a produtividade e reduzir custos, e tocou também em aspectos ambientais.

Pesquisando um pouco na internet, observei que a versão de 2008 desse mesmo seminário discutiu a utilização de etanol nos motores de caminhões e máquinas agrícolas, bem como em motores estacionários para irrigação dos canaviais. Em matéria da Gazeta Mercantil reproduzida no site biodieselbr.com, o tom era de uma novidade prestes a ser implantada, apesar de o conceito do "motor diesel movido a etanol" (motor de combustão interna de ignição por compressão ajustado ao uso de etanol) existir há mais de 30 anos.

Segundo a matéria, “na década de 1980, no auge do Proálcool, muitas usinas fizeram conversões caseiras de motores movidos originalmente a diesel e gasolina para álcool. E, à época, montadoras como Scania e Mercedes-Benz chegaram até mesmo a oferecer às usinas veículos novos com motores convertidos para o uso do álcool”.

Se em 2008 parecia iminente a introdução ampla de máquinas movidas a etanol, hoje isso se mostra longe de acontecer. É verdade que há experiências de ônibus e caminhões com motores a etanol no Brasil e em outros países, como as resultantes do Projeto BEST (BioEthanol for Sustainable Transport, 2006-2009), mas representam uma parcela pequena das frotas. Há também veículos de grande porte com motores ciclo diesel que operam com misturas de etanol e diesel ou biodiesel, como esclarece o site novaCana.com.

Do ponto de vista tecnológico, não há impedimentos à substituição do diesel por etanol em motores de veículos pesados. A justificativa concentra-se, portanto, em outra esfera. Nos anos 1980, segundo o consultor da União da Indústria Canavieira (Unica) Alfred Szwarc, em depoimento para a referida matéria da Gazeta Mercantil, a iniciativa não teve continuidade devido a três fatores: o excessivo consumo de álcool em caminhões, a queda do preço do petróleo e o subsídio dado ao diesel. E hoje?

Segundo o engenheiro industrial Luiz Nitsch, diretor da Sigma Consultoria Automotiva com quem pude conversar durante o 16º Seminário de Mecanização, o problema é meramente político. “Hoje o governo subsidia fortemente o diesel e a gasolina, em detrimento do etanol. Seria viável (termos máquinas agrícolas movidas a etanol) se os preços dos combustíveis estivessem equilibrados. Não há mercado e as montadoras não se interessam”, diz Nitsch, que aponta a descoberta de petróleo no Pré-Sal como o ponto de inflexão do apoio político do governo ao etanol.

O instrutor comercial da Scania Latin America Moises Teruel de Oliveira Pauferro, em sua pesquisa de especialização no Centro Universitário do Instituto Mauá de Tecnologia, destaca problemas de infraestrutura para viabilizar a substituição do diesel pelo etanol. Nas conclusões de seu trabalho, ressalta que "muitos desafios terão que ser suplantados para que o uso do etanol nos motores diesel de veículos pesados se justifique como alternativa tecnológica sustentável em âmbito nacional. O óleo diesel adapta-se melhor à atual conjuntura, se consideradas a infraestrutura para produção, armazenamento e distribuição de combustíveis no Brasil".

Para Nitsch, a dominância de empresas multinacionais também é um fator que dificulta a mudança para motores a etanol no maquinário agrícola. “Quem poderia investir nisso com sucesso é a Santal (empresa originalmente brasileira fornecedora de produtos e serviços para mecanização agrícola, atualmente com 60% de seu capital pertencente ao grupo alemão AGCO)”, pondera Nitsch. Aparentemente, as razões político-econômicas sobrepõem-se às de natureza ambiental e social na determinação do combustível que alimenta as máquinas agrícolas, sobretudo no setor sucroalcooleiro. Assim fica difícil discutir sustentabilidade.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Mecanização agrícola e controvérsias

Neste post trago visões distintas sobre impactos da mecanização agrícola. A primeira defende a importância da mecanização para o alívio aos trabalhadores agrícolas e para a sustentabilidade. A segunda defende que a mecanização do campo não elimina a pobreza nem a violência. Dois textos que li recentemente explicitam essa controvérsia. Vale a pena reproduzir os trechos iniciais de cada um:
"As máquinas agrícolas revolucionaram a agricultura e aliviaram o duro trabalho de milhões de famílias e trabalhadores agrícolas, mas as máquinas do futuro vão ter que trazer algo mais, já que deverá contribuir também para uma agricultura que seja sustentável para o meio ambiente". (RuralBR, matéria Máquinas agrícolas devem evoluir junto com agricultura, diz FAO, publicada em 26/01/2014)
"O avanço do agronegócio, com a explosão da cultura mecanizada, intensificou nos últimos anos as consequências da concentração de terras no estado de São Paulo. A despeito da modernidade de técnicas, os pequenos e médios produtores vivenciam o acirramento de uma realidade colonial. Muitos são obrigados a abandonar ou arrendar suas terras e enfrentar um quadro trágico e violento." (Carta Capital, matéria Lavoura arcaica, publicada em 04/06/2013)
O texto do RuralBR divulga o livro Mechanization for Rural Development, A review of patterns and progress from around the world, da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). O livro indaga como as máquinas vão contribuir para um futuro sustentável para o meio ambiente e quais políticas vão colocar as máquinas a serviço da agricultura familiar. Defende ainda que as políticas governamentais devem incentivar que o setor de máquinas agrícolas desenvolva mercados, em especial para a agricultura de conservação e para estabelecer as infraestruturas necessárias. A matéria destaca que, para o principal autor do livro, Josef Kienzle, "este apoio, sobretudo ao setor dos agricultores em pequena escala, pode ter um impacto enorme, ao tirar as famílias da pobreza e levá-las a uma agricultura mais rentável, com poder comercial".

Na matéria da Carta Capital, o destaque é a dissertação de mestrado de Tiago Cubas (São Paulo agrário: representações da disputa territorial entre camponeses e ruralistas de 1988 a 2009), da Unesp de Presidente Prudente. O pesquisador aponta que os repasses federais para programas de agricultura familiar em 2011/12 (cerca de R$ 16 bilhões no PAF - Plano Safra do Agricultor Familiar) se contrapõem aos valores para agroempresários (R$ 107 bilhões no PAP - Plano Safra da Agricultura e Pecuária) como diferença de prioridades. A matéria informa também que o orçamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, passou de R$ 2,4 bilhões em 2002/2003 para R$ 13,5 bilhões em 2011/2012. Segundo a matéria, a assistência técnica também tem crescido, por meio do Pronaf, que acelera a modernização das propriedades com contratos para tratores, veículos para transporte de carga, colheitadeiras etc., somando R$ 106,9 bilhões em contratos desde 2003.

No Brasil, o déficit do setor de máquinas e equipamentos, que era quase nulo em 2007, cresceu gradualmente desde então e em 2013 respondeu por quase um quinto do déficit comercial da indústria brasileira (US$ 105 bilhões, o maior da história), como mostra a matéria Setor de máquinas não vê reversão do déficit, do Valor Econômico.

Apesar dos diferentes pontos de vista, um internacional-normativo e outro local-descritivo, observa-se uma necessidade de medidas para tornar a mecanização um processo com resultados positivos para a sustentabilidade. Não se trataria, portanto, de resultados naturalmente decorrentes da mecanização, mas de ações a ela associadas que contribuam para tais ou quais resultados. O que me intriga é saber como fica o caso específico das lavouras de cana-de-açúcar no Brasil.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Colheitadeira para pequenos e médios produtores

Saiu semana passada no novaCana.com e em outros veículos uma matéria sobre o desenvolvimento de uma nova colheitadeira de cana, mais leve e mais barata, voltada para o pequeno e o médio produtor. A máquina será testada nos próximos 2 meses e deverá custar cerca de 25% do preço de uma colheitadeira comum (que varia de R$ 500 mil a R$ 1 milhão), com peso de até três toneladas (contra oito a 20 toneladas para as colhedoras atualmente no mercado).

O projeto, iniciado em 2007, teve execução técnica do Prof. Dr. Luiz Geraldo Mialhe, Professor Titular do Departamento de Engenharia Rural aposentado, da ESALQ/USP, e coordenação de fábrica do engenheiro mecânico Leonel Frias Junior, Diretor da Indústria e Comércio Mecmaq Ltda – Máquinas Agrícolas. O objetivo foi produzir um protótipo de minicolhedora cortadora-despalhadora de colmos inteiros de cana de açúcar, para atender as condições específicas dos sistemas de produção tradicionalmente praticados por pequenos e médios produtores rurais. Conforme informa matéria do portal da Câmara dos Vereadores de Piracicaba, a iniciativa é pioneira na área de Engenharia Agrícola e conta com o apoio e a colaboração técnico-financeira das empresas AGCO do Brasil (RS), John Deere Brasil Ltda (GO) e da ORPLANA – Organização dos Plantadores de Cana da Região Centro Sul do Brasil. 

De acordo com a notícia do novaCana.com, Luiz Carlos Tasso Júnior, diretor operacional da Canaoeste (Associação dos Plantadores de Cana do Oeste de São Paulo), estima que 40% da produção de cana dos membros da associação (cerca de 2.800 associados) ainda são colhidos com o uso de fogo, a maioria por pequenos produtores. Para ele, a principal barreira para que os pequenos mecanizem a colheita é econômica. "Tasso Júnior, que não conhece o projeto da Mecmaq, afirma que a produtividade da plantação pode ser um limitador ao uso da colhedora de menor porte. Segundo o produtor, terrenos com produtividade acima de 80 toneladas por hectare exigem máquinas de maior porte para conseguir fazer o corte da cana". A capacidade estimada da nova colhedora é de 10 a 15 toneladas colhidas por hora, em canaviais com produtividade de 70 a 100 toneladas por hectare. 

Note-se que o prazo para completa eliminação das queimadas nos canaviais como método pré-colheita no Estado de São Paulo foi fixado pelo Protocolo Agroambiental em 2014 (a notícia do novaCana.com diz 2015, não sei por quê). Segundo a matéria do portal da Câmara dos Vereadores de Piracicaba, "o cumprimento desse acordo exige uma mudança operacional no processo de colheita que irá atingir mais de 10 mil fornecedores paulistas de cana de açúcar. Caso estenda aos demais estados produtores, ela irá atingir cerca de 40 mil fornecedores independentes". 

Agora é aguardar os testes e ver se essa nova colheitadeira irá influenciar as controvérsias da sustentabilidade relacionadas à mecanização da colheita de cana no Brasil.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Czares do etanol no mundo

Olá! Feliz 2014!
Começo o novo ano comentando algumas informações sobre os países líderes na produção de etanol no mundo: Estados Unidos, Brasil, Colômbia e Peru. Em meados de 2013, o portal Estadão publicou a matéria Quinze grupos dominam produção de etanol, com dados levantados pelo New England Center for Investigative Reporting e a ONG Connectas. Segundo a pesquisa, EUA e Brasil são responsáveis por 87% da produção total de biocombustíveis no mundo e contam com instituições representantes dos usineiros para a aprovação de regras que beneficiem a indústria.
No "Mapa do Etanol" publicado pela Connectas, há informações sobre o percentual de etanol adicionado à gasolina nos quatro países. Com relação ao valor total de empréstimos concedidos por organismos multilaterais entre 2005 e 2012, há informações para Brasil (US$ 988 milhões), Colômbia (US$ 7 milhões) e Peru (US$ 130 milhões), mas não para Estados Unidos.
A reportagem do Estadão afirma que "esses relacionamentos se tornam cada vez mais importantes para essa indústria, à medida que o benefício ambiental do combustível está sendo colocado em xeque, em favor de outras opções, como o carro elétrico". Atesta ainda que "nas últimas eleições municipais, os registros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que os principais industriais de etanol do País doaram pelo menos US$ 2,7 milhões a partidos políticos - especialmente em São Paulo, líder na produção de cana no País. Copersucar e Cosan lideraram essa lista, com montantes de US$ 525 mil e US$ 422 mil, respectivamente".
Em se tratando de combustível automotivo, acho que seria interessante saber o que ocorre com a gasolina, subsidiada pelo governo para evitar que seu preço suba, em termos de czares e lobby. E como ficaria o carro elétrico nesse contexto? Ele poderia representar uma ameaça ou não teria chances de ganhar mercado? E as montadoras, como se comportam?
Aqui, um gráfico com as informações da pesquisa sobre os 15 principais produtores de etanol no mundo.