terça-feira, 26 de março de 2013

Segunda geração

O Jornal Nacional veiculou ontem notícia sobre a produção de etanol de segunda geração.
Segundo a reportagem, "a tecnologia é inédita no Brasil. Vantagem para o produtor, que vê a produção aumentar sem novos custos. Vantagem para o consumidor, que pode encontrar combustível mais barato". Assim, essa nova tecnologia parece reforçar os argumentos em defesa da sustentabilidade do bioetanol combustível no Brasil, tanto em termos econômicos como ambientais e sociais. Alguém discorda?
Assista ao vídeo da reportagem:



Aqui um link para a dissertação de mestrado de Oswaldo Godoy Neto, gerente de projetos do CTC e coordenador da pesquisa citada pelo jornal. A pesquisa, com título "Pesquisa Orientada a Resultado: Proposta de um método estruturado para disponibilizar uma nova tecnologia para o mercado - um caso aplicado ao projeto etanol de 2ª geração", foi apresentada à Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas em 2012 e teve como orientador o Prof. Dr. Ricardo Ratner Rochman: http://bit.ly/YArKxQ

segunda-feira, 25 de março de 2013

Certificação Bonsucro

Reproduzindo notícia publicada em 4 de março no site da UNICA, intitulada "Cresce o número de usinas certificadas pelo Bonsucro", seção Sustentabilidade:
Em menos de dois anos, 28 empresas sucroenergéticas, das quais 26 são brasileiras e duas australianas, foram certificadas pelo Bonsucro, iniciativa global que avalia a sustentabilidade dos produtos fabricados a partir da cana. 
“Esse cenário mostra o comprometimento do setor com a agenda da sustentabilidade. Um avanço tão rápido só foi possível graças a uma cultura corporativa já estabelecida nas empresas, assim como um controle estruturado dos processos sobre o tema,” afirma o gerente de Sustentabilidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA), Luiz Fernando do Amaral. 
Somente em janeiro desse ano, duas usinas brasileiras foram certificadas pela iniciativa: a Rio Claro, em Goiânia, do Grupo Odebrecht Agroindustrial; e uma unidade da Adecoagro em Minas Gerais.
Quase todas as usinas brasileiras certificadas pelo Bonsucro são associadas da UNICA. Juntas, elas somam 574 mil hectares (ha), ou seja, 6% da área de cana plantada no País. Porém, Amaral alerta que é preciso ampliar o envolvimento para que o resultado seja mais efetivo. “Uma certificação como essa só funciona se todos os agentes, do produtor à indústria consumidora, se envolverem profundamente. Infelizmente, até o momento, não temos visto o mesmo nível de comprometimento dos produtores por parte de outros stakeholders, e será fundamental para o processo continuar avançando.”
Com sede em Londres (Inglaterra), o Bonsucro atua como um fórum internacional reunindo produtores, ONGs, traders, redes varejistas, empresas e investidores empenhados no melhoramento contínuo da produção da cana. Ele é reconhecido pela Comissão Européia como uma certificação voluntária que cumpre com os critérios da Diretiva Européia para Energias Renováveis (Diretiva 2009/28/EC). As empresas certificadas têm atestadas as condições sustentáveis em que seus produtos são fabricados, tornando-os aptos a serem comercializados para países integrantes da União Europeia (UE).
Quatro empresas associadas da UNICA fazem parte do Conselho de Diretores do Bonsucro na categoria “industrial”: Bunge, Copersucar, Guarani e Raízen. O gerente de sustentabilidade da UNICA integrou o Conselho do Bonsucro por três anos, durante o período em que foram desenvolvidos os parâmetros que hoje vigoram para a certificação de usinas.
Além das usinas já certificadas pelo Bonsucro, mais 11 possuem outro tipo de certificação, conhecido como cadeia de custódia. Sob essa iniciativa, é atestada a rastreabilidade do produto certificado ao longo da cadeia. São elas Raízen, Braskem da Bahia e do Rio Grande do Sul, Copersucar, CPA Armazéns Gerais, Grupo Sojitz, NSW Sugar Milling Co-operative, Argos Energies, Cargill International e Cargill Agrícola.
As seguintes usinas já foram certificadas pelo Bonsucro:
Angélica - Adecoagro
Monte Alegre - Adecoagro
Alta Mogiana - Alta Mogiana
Sta Elisa - Biosev
Tropical Bioenergia - BP
Moema - Bunge
Frutal - Bunge
Itapagipe - Bunge
Guariroba - Bunge
São Manoel - Copersucar
Santa Adélia - Copersucar
New South Wales Sugar Milling Cooperative 1 - New South Wales (Austrália)
New South Wales Sugar Milling Cooperative 2 - New South Wales (Austrália)
Conquista -  Odebrecht Agroindustrial
Alcidia - Odebrecht Agroindustrial
Rio Claro - Odebrecht Agroindustrial
Maracaí - Raízen
Bom Retiro - Raízen
Costa Pinto - Raízen
Jatai - Raízen
Bonfim - Raízen
Gasa - Raízen
Equipav - Renuka
Iracema - São Martinho
São João Araras -  USJ
Quatá Zilor - Copersucar
Barra Grande de Lençois  Zilor - Copersucar
São José Zilor - Copersucar
Em 2011, a certificação (criada em 2005), tornou-se exigência para as empresas que exportam o biocombustível para a União Europeia. Além de produtores, organizações não-governamentais como a WWF, Ethical Sugar e Solidaridad, e companhias como Cargill, Bacardi Limited, Cadbury Schweppes, BP e Coca-Cola, também compõem a Bonsucro. Para saber mais sobre a Bonsucro, acesse: http://www.bonsucro.com

UNICA no Sigera

O consultor ambiental e de recursos hídricos da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA), André Elia Neto, participou do III Simpósio Internacional sobre Gerenciamento de Resíduos Agropecuários e Agroindustriais (Sigera), realizado de 12 a 14 de março pela Sociedade Brasileira dos Especialistas em Resíduos das Produções Agropecuária e Agroindustrial (Sbera) na cidade paulista de São Pedro. No evento, que teve como objetivo incentivar discussões científicas sobre a temática do gerenciamento dos resíduos nas cadeias produtivas, o consultor da UNICA, que apresentou palestra no dia 13, abordou o uso da água e a vinhaça, e indicou a necessidade do fomento de políticas públicas e barateamento de custos para que as tecnologias pesquisadas e desenvolvidas sejam colocadas em prática.

O site da Unica noticiou o evento e a atuação de André Elia Neto. Trechos da notícia (grifos meus):
"O representante da UNICA detalhou o uso de água pelo setor sucroenergético, que reutiliza mais de 90% do recurso usado em seu processo industrial. “No período de seca, as usinas aplicam na lavoura a água residuária, constituída em sua maior parte da água oriunda da própria cana colhida. Isso diminui e muito o percentual do recurso hídrico captado nas redes de abastecimento,” explicou.
A reutilização da vinhaça, resíduo do processo de destilação do etanol como adubo na agroindústria canavieira, que cobre cerca de 40% das necessidades das plantações de cana por adubação mineral, foi também foco da apresentação. Segundo o consultor, o setor é um grande gerador de resíduos orgânicos, os quais, pela natureza e ausência de contaminantes, apresentam alto potencial de fertilizante. “Atualmente, a indústria reaproveita 100% dos resíduos na adubação dos canaviais,” detalhou Elia Neto.
Ele concluiu a palestra examinando desafios tecnológicos e econômicos para o desenvolvimento de práticas de produção mais limpa e a intensificação da valorização da vinhaça, com as tecnologias de biodigestão, para a produção de biogás com fins energéticos e a concentração para aumentar a área de fertirrigação da lavoura, que consiste na técnica de adubação que utiliza a água de irrigação para levar nutrientes ao solo cultivado."
Quando o ator é a entidade que representa o setor, não se observa o problema de uso excessivo de água no processo, tampouco a crítica sobre a nocividade da vinhaça (ver post "Água e bioetanol" neste blog). Ainda assim, nota-se a busca por práticas e tecnologias de produção mais limpa.

Água e bioetanol

Saiu hoje na Agência Fapesp uma reportagem especial que aponta impactos da agricultura e da pecuária sobre a composição química e a biodiversidade dos corpos d'água. Intitulada "Impactos das mudanças no uso da terra em corpos aquáticos", a reportagem de Elton Alisson destaca problemas causados pelas culturas de cana-de-açúcar e soja, assim como pela substituição de florestas por áreas de pastagem. Na causa dessa transformação do uso da terra estão os aumentos populacionais e da demanda de alimentos e energia.

As relações entre o avanço dessas atividades e alterações em rios e lagos são objeto de um estudo realizado por pesquisadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo (USP), em parceria a Universidade de Washington, Ecosystem Center e Wood Hole Research Center – nos Estados Unidos –, além da Universidade de Potsdam (Holanda) e University of British Columbia, do Canadá.

Seguem trechos selecionados da reportagem, com foco no nosso assunto, que é a cana e o bioetanol (grifos meus):

"De acordo com Ballester, membro do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, o cultivo da cana-de-açúcar pode causar diversos impactos ambientais. Um deles é provocado pelo uso da vinhaça (subproduto do refino do álcool) como fertilizante para a cultura. A vinhaça é rica em nitrogênio, composto químico que, em excesso na água de rios e lagos, pode favorecer o crescimento de algas. 
Outro problema sério em relação ao cultivo dessa cultura agrícola é a questão da água. “Para produzir 1 litro de álcool combustível a partir da cana-de-açúcar são necessários 1,4 mil litros da água. É uma produção muito cara em termos de água”, disse Ballester. 
Já a fuligem produzida pela queima da cana-de-açúcar durante a colheita, segundo a pesquisadora, contém um tipo de carbono diferente que pode ser assimilado em maior ou menor escala por organismos presentes em um rio, por exemplo. 
Ao se depositar no solo ou em um ecossistema aquático, o material modifica a ciclagem de carbono do meio. “A fuligem da cana acidifica o solo e a água e isso tem consequências para o ecossistema”, disse Ballester durante o Simpósio Japão-Brasil sobre Colaboração Científica. Organizado pela FAPESP e pela Sociedade Japonesa para a Promoção da Ciência (JSPS), o evento foi realizado nos dias 15 e 16 de março, em Tóquio."
[...] 
“A maior parte das áreas de produção de agroenergia não tem água suficiente para manter as culturas com elevada produtividade e será necessário irrigá-las. Isso representa outro problema sério que irá mudar o ciclo da água”, destacou [Ballester]."
As questões levantadas relacionam-se então com (i) a vinhaça como fertilizante, (ii) o elevado consumo de água no processo produtivo do etanol e (iii) a queima da cana, para a colheita. Com relação à queima da cana, vale lembrar que a Lei Estadual 11.241/2002 dispõe sobre a eliminação gradativa da queima da palha de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo, onde se concentra o maior número de usinas sucroalcooleiras do país. O prazo para eliminação da prática é 2017, se cumprida a lei.

Para os problemas da vinhaça (que também pode comprometer lençóis freáticos) e do alto consumo de água no processo produtivo, haveria tecnologias novas ou em desenvolvimento que permitam (ao menos) atenuá-los?


sábado, 23 de março de 2013

Variedades de cana do CTC

Ontem tivemos um encontro do projeto AlcScens com Marcos Casagrande, engenheiro de desenvolvimento de produto do Centro de Tecnologia Canavieira, o CTC. Criado em 1969 como Centro de Tecnologia Copersucar, o CTC reestruturou-se em 2004 e se tornou sociedade anônima em 2011. É um ator importante na realização de inovações por meio de programas de melhoramento da cana-de-açúcar, tendo desenvolvido mais de 5 mil variedades em seu banco de germoplasma, localizado em Camamu, na Bahia.

A apresentação de Casagrande focou no desenvolvimento de variedades visando a aumentar a produtividade e, assim, o lucro do produtor agrícola. Isso ocorre por meio do alinhamento de tecnologias, em especial a biotecnologia. No período de 1980 a 2010, a produtividade das variedades de cana do CTC cresceu 70%.  Essas variedades já estão na oitava geração, representada pela série CT 9000.

Casagrande ressaltou a importância do melhoramento genético regionalizado, que adapta as variedades às condições edafoclimáticas das regiões. Ele nos informou que 40% da produção brasileira de cana-de-açúcar estão concentrados em duas variedades produzidas há 30 anos. No entanto, a cana com melhoramento regionalizado oferece rendimentos maiores, pois resiste mais ao estresse hídrico, está apta à mecanização, não floresce, possui maior teor de sacarose, além de um longo período útil de industrialização (PUI) e perfilha abundante.

As variedades de cana regionalizadas pelo CTC para a região do Cerrado foram lançadas em 2012, e podem favorecer a expansão da cultura canavieira nessa região de clima e solo menos favoráveis, comparativamente às condições de regiões produtoras tradicionais do Estado de São Paulo, como Ribeirão Preto. O aumento significativo do lucro do produtor lhe permite pagar os royalties ao CTC e se revela vantajoso para ambos.

Parcerias com outras empresas, como a Bayer e a Basf, também fazem parte dos negócios do CTC, contou Casagrande, que ressaltou também as inovações do centro em áreas fora da genética, como novos sistemas de plantio e colheita mecanizados, no manejo da lavoura, sistemas georreferenciados e modernização do processo industrial.

Entre os problemas elencados, está a complexidade genética da cana-de-açúcar, a concorrência com outras culturas (como beterraba, milho e colza) e a dificuldade de motivar produtores a adaptar suas condições de produção às novas variedades e tecnologias, como a colheita e o plantio mecanizados.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Estreia

Olá! Este blog surgiu no intuito de organizar meus pensamentos sobre assuntos ligados ao bioetanol combustível no Brasil e suas controvérsias, principalmente no que se refere à sustentabilidade. A ideia é torná-lo um repositório de notícias, organizar uma agenda de eventos e provocar reflexões sobre o tema.
E neste post de estreia, trago um texto de João Cabral de Melo Neto (1920-1999), poeta pernambucano que cresceu em engenhos de açúcar (e anos mais tarde percorreria o mundo, com especial ligação à Espanha e sua arte, especialmente ao flamenco!).


                                       O VENTO NO CANAVIAL
                                       João Cabral de Melo Neto


                                       Não se vê no canavial
                                       nenhuma planta com nome,
                                       nenhuma planta Maria,
                                       planta com nome de homem.

                                       É anônimo o canavial,
                                       sem feições como a campina.
                                       É como um mar sem navios,
                                       papel em branco de escrita.

                                       É como um grande lençol
                                       sem dobras e sem bainha,
                                       Penugem de moça ao sol,
                                       roupa lavada estendida.

                                       Contudo há no canavial
                                       oculta fisionomia,
                                       tal no pulso do relógio
                                       há possível melodia,

                                       ou como de um avião
                                       a paisagem se organiza,
                                       ou há finos desenhos nas
                                       pedras da praça vazia.

                                       Se venta no canavial
                                       estendido sob o sol
                                       seu tecido inanimado
                                       faz-se sensível lençol,

                                       se muda em bandeira viva,
                                       de cor verde sobre verde,
                                       com estrelas verdes que
                                       no verde nascem, se perdem.

                                       Não recorda o canavial
                                       então as praças vazias:
                                       não tem, como têm as pedras,
                                       disciplina de milícias.

                                       É solta sua simetria:
                                       como a das ondas na areia
                                       ou as ondas da multidão
                                       lutando na praça cheia.

                                       Então, da praça repleta
                                       é o canavial a imagem:
                                       veem-se as mesmas correntes
                                       que se fazem e desfazem,

                                       voragens que se desatam,
                                       redemoinhos iguais,
                                       estrelas iguais àquelas
                                       que o povo lutando faz.