sexta-feira, 5 de abril de 2013

Mais máquinas, menos produtividade?

No dia 3 de abril o jornal Valor Econômico publicou três matérias sobre um tema muito controverso envolvendo os aspectos social e econômico da sustentabilidade do bioetanol. Novas relações de trabalho nos canaviais e redução da produtividade foram destacadas como fruto da mecanização das lavouras. Os títulos das matérias são "Mecanização avança, mas cana perde produtividade", "Cortador de cana sobrevive à mecanização" e "Com máquinas, diminui rendimentos de canaviais".

Faço aqui um breve balanço da discussão no contexto das controvérsias.

Situação:

  • Aumento da área de plantio de cana-de-açúcar (7 milhões de hectares no Centro-Sul na safra 2012/13; em 2000, 3,8 milhões de hectares)
  • Aumento da mecanização (colheita 85% mecanizada, no Centro-Sul; em 2000, a colheita era 25% mecanizada)
  • Com a mecanização, produtores com décadas de experiência no setor têm que "reaprender" o manejo da cultura 
  • Uma colheitadeira de cana substitui de 80 a 100 trabalhadores
  • No início da década passada, a colheita manual de cana chegou a demandar 750 mil pessoas em todo o país, 500 mil no Centro-Sul
  • Em 2007, quando se intensificaram as pressões ambientais no Centro-Sul, o número de cortadores na região já havia recuado para 284 mil
  • No Nordeste, os canaviais estão em áreas mais montanhosas, a mecanização é ínfima e o quadro não mudou muito
  • O Nordeste é responsável por 10% da produção brasileira de cana e emprega cerca de 330 mil trabalhadores na atividade

Controvérsia social:

  • A maior parte da mão-de-obra liberada pelo setor, não qualificada, foi absorvida pela construção civil (José Giacomo Baccarin, professor do departamento de Economia Rural da Unesp de Jaboticabal/SP)
  • Dos 80 mil cortadores que as 190 associadas da UNICA empregavam em 2007, 22,7 mil foram qualificados para novas tarefas, principalmente na própria indústria da cana, como operadores de máquinas, mecânicos etc. (UNICA - representante das usinas do Centro-Sul)
  • Mesmo em unidades com colheita e plantio 100% mecanizados, há atividades de campo que justificam a manutenção de trabalhadores (carpir o mato, limpar a terra e abrir fileiras de cana que serão colhidas em seguida pelas máquinas, colher cana plantada nas curvas onde a máquina não alcança)
  • Ainda há usinas e fornecedores de cana que não assinaram o protocolo agroambiental que antecipa o fim das queimadas para 2014 (a lei determina o prazo de 2017 para eliminação das queimadas em áreas mecanizáveis). Elas ateiam fogo nos canaviais, e contratam mais cortadores.

Controvérsia econômica:

  • As usinas e fornecedores de cana investiram R$ 14 bilhões para mecanizar a colheita nos últimos cinco anos
  • A produtividade dos canaviais caiu de 85 para 70 ton/ha nos últimos três a quatro anos, sendo 8 a 10 ton/ha em razão da mecanização e a diferença, efeito do clima (João Guilherme Iglézias, diretor da Agroterenas, uma das maiores fornecedoras de cana para usinas) 
  • Quando uma máquina de colher cana (com peso de 20 toneladas e custo médio de R$ 900 mil) quebra, a usina deixa de colher 500 toneladas de cana por dia 
  • Agora surgem variedades de cana mais adaptadas às máquinas (as que "ficam mais em pé" e brotam melhor sob a palha) (João Guilherme Iglézias)
  • o setor testa técnicas para reduzir a compactação do solo provocada pelas máquinas e reduzir as impurezas trazidas pela colheitadeira para dentro da usina
  • Os fornecedores de menor porte estão descapitalizados para investir em máquinas
  • A concentração de açúcar na cana (ATR - Açúcar Total Recuperável) caiu nos últimos anos na região com as melhores condições de clima e solo para a cultura (Ribeirão Preto, Sertãozinho etc). Na safra 2012/13, a concentração de ATR caiu a 138 kg/ton, sendo que o desempenho médio do ATR na região era de 145 kg/ton, com picos até acima de 160 kg/ton. (Luiz Carlos Tasso Júnior, produtor e diretor da Canaoeste, associação que representa 2,8 mil fornecedores de cana em 80 municípios)
  • Retomar os níveis históricos só seria possível com um avanço significativo na genética da planta (Luiz Carlos Tasso Júnior) 

Ao que parece, em termos econômicos, a mecanização teve impactos negativos no presente e deverá se justificar a partir dos desenvolvimentos tecnológicos em curso para aumentar a produtividade no futuro. Em termos sociais, o desemprego resultante da mecanização teria contado com atenuantes importantes, como a absorção de trabalhadores (os mais qualificados) para outras funções nas usinas e as contratações (dos menos qualificados) pelo setor de construção civil. Nesse ponto, vejo como fundamental o papel da educação na qualificação dos trabalhadores, e a necessidade de uma economia fortalecida para abrir novos postos de trabalho. É aí que as controvérsias do bioetanol têm efeitos sobre o público em geral, incluindo você e eu.

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